terça-feira, 1 de julho de 2008

Vidas pela janela


Costumo lavar a louça olhando pela janela, deve ser por isso que vivo me cortando, mas não importa. Dizer que gosto, não, não gosto, nem de cozinhar, que dirá de lavar a louça suja, mas já que é preciso, transformo o momento em reflexão, em poesia. Pela janela posso ver uns três ou quatro prédios próximos, mais um monte distante, alguns telhados de sobrados ou prédios pequenos, já que moro no segundo andar, e com isso tudo, muitas, muitas janelas. Vejo o sol batendo nas janelas e no azulejo branco da fachada do prédio, iluminando a vida de cada ser que ali habita, vejo a chuva escorrendo por cada vão, lavando, limpando, purificando os pensamentos. Nos dias nublados e frios, parece que a vista está de mau humor, os pássaros nao sorriem, nada tem cor, e o azulejo branco não brilha.
Gosto do prédio de azulejo branco, é dali que vejo a maior parte das janelas. Elas diferenciam-se entre si, apesar de terem um padrão. Algumas tem insulfilme, outras vidro liso, outras vidro ondulado, outras sem vidro. Reparo sempre nas janelas da área de serviço, tem sempre roupa pendurada, sapato secando. Mas nesse horário, nunca vejo ninguém, só coisas. É a correria do mundo moderno. Fico imaginando quantas pessoas habitam em cada janela que olho. Como são, o que fazem. Olha a infinidade de possibilidades em cada janela. Há no mínimo duas ou três pessoas que moram em cada janela; duas ou três personalidades, dois ou três gostos, dois ou três sonhos, objetivos de vida, desejos, anseios, fantasias sexuais ou não. Como será que são fisicamente? Gordos? Magros? Atraentes? Homens? Mulheres? Crianças? Não importa, o que importa mesmo é que o barato da vida é sermos todos diferentes, às vezes penso que somos levados pela massa que se tornou a sociedade, mas a verdade é que cada um é cada um, especial de uma forma única, com seus erros, acertos, qualidades e defeitos, com seus gostos exóticos e desejos improváveis. Não gosto de gente que segue o padrão que a sociedade impõe. Eu não sigo, minhas amigas não seguem. Ao meu redor, tem muitas pessoas que seguem, fodam-se, não julgo, não critico, mas também não gosto. Sempre busquei ser diferente, e está aí o sentido de ser. Sempre quis fazer tatuagem, mas hoje em dia, todo mundo tem, então, nao quero mais, perdi o desejo. Olhem as janelas do prédio de azulejo branco, até elas que foram construídas de acordo com um padrão, não o são mais.
Talvez esse seja o sentido da vida, buscar em si, o que você é na essência. Eu demorei pra procurar me conhecer, e a cada dia me surpreendo com sensações e sentimentos que eu nao sabia que era capaz de sentir ou pensar. Mas essa sou eu, me amo desse jeito, "nao quero ter a terrível limitação de viver somente do que é possível fazer sentido. Eu não. Quero uma verdade inventada.", sábia Clarice Lispector quando disse essa frase, o que é possível fazer sentido age de acordo com pudores de uma sociedade hipócrita. "Eu não traio, eu não desejo, eu não bebo, eu não faço, eu não aconteço...", quando na realidade esses são nossos maiores desejos mais secretos, que guardamos no mais íntimo que podemos, e ainda julgamos quem deixa aflorar, quanta hipocrisia. Admiro os que tem coragem de fazer igual a música do Kid abelha "e com a cara mais lavada, digo, por que não?" sem culpa e sem remorso. Pra fechar com chave de ouro, lembro do texto "o quase" de Luís Fernando Verissimo:
"Ainda pior que a convicção do não é a incerteza do talvez, é a desilusão de um quase. É o quase que me incomoda, que me entristece, que me mata trazendo tudo que poderia ter sido e não foi. Quem quase ganhou ainda joga,quem quase passou ainda estuda, quem quase morreu está vivo, quem quase amou não amou.
Basta pensar nas oportunidades que escaparam pelos dedos, nas chances que se perdem por medo, nas idéias que nunca sairão do papel por essa maldita mania de viver no outono.
Pergunto-me, às vezes, o que nos leva a escolher uma vida morna; ou melhor não me pergunto, contesto. A resposta eu sei de cor, está estampada na distância e frieza dos sorrisos, na frouxidão dos abraços, na indiferença dos "Bom dia", quase que sussurrados.
A paixão queima, o amor enlouquece, o desejo trai. Talvez esses fossem bons motivos para decidir entre a alegria e a dor, sentir o nada, mas não são.
Se a virtude estivesse mesmo no meio termo, o mar não teria ondas, os dias seriam nublados e o arco-íris em tons de cinza.O nada não ilumina, não inspira, não aflige nem acalma, apenas amplia o vazio que cada um traz dentro de si.
Não é que fé mova montanhas, nem que todas as estrelas estejam ao alcance, para as coisas que não podem ser mudadas resta-nos somente paciência porém, preferir a derrota prévia à dúvida da vitória é desperdiçar a oportunidade de merecer.
Pros erros há perdão; pros fracassos, chance; pros amores impossíveis, tempo. De nada adianta cercar um coração vazio ou economizar alma.
Um romance cujo fim é instantâneo ou indolor não é romance.Não deixe que a saudade sufoque, que a rotina acomode, que o medo impeça de tentar.
Desconfie do destino e acredite em você.Gaste mais horas realizando que sonhando, fazendo que planejando, vivendo que esperando porque, embora quem quase morre esteja vivo, quem quase vive já morreu."
Esse texto é perfeito, há umas duas semanas atrás eu trabalhei no festival de teatro do colégio que eu trabalhava, e ajudei uma garota do segundo colegial a decorar este texto. O teatro da sala dela era uma adaptação de Memórias Póstumas de Brás Cubas, transformada em Memórias Póstumas de uma adolescente. Ficou show, perfeito, e a Thaís no papel principal caiu como uma luva. Ela deve ter seus 16 anos. Mas é desencanada, tem sua personalidade, seu estilo, seu jeito, faz e fala o que dá na telha, uma vez ela fez uma piada comigo e eu demorei para me tocar que ela tava me zoando. Apesar de ser uns 4 anos mais velha que ela, eu a admiro e respeito, como pessoa. São pessoas assim que levam-nos a questionar o que estamos fazendo da porra da nossa vida.